Uma alegria do meu passado


Sou de uma geração muito influenciada pelo vídeo, mas da era pré-computador, quando a única postura possível era a passividade frente à televisão ou ao cinema.

Nossos jogos eram manuais, o equipamento era material e não virtual; a palavra digital se associava exclusivamente ao dedo, não ao dígito.

A garotada de hoje usa o computador para jogar e brincar, aproveitando os recursos da interatividade que transformam o jogador num participante ativo.

Jogos virtuais de futebol estão entre os preferidos, com imagens cada vez mais realistas.

Este papel foi representado entre os meninos de minha geração pelo futebol de botões, a versão antiga dos games-Fifa.

Era mais adequado para se jogar em dupla, ou para torneios de grupos maiores, mas também podia ser jogado individualmente, o que era o meu caso, com frequência.

Os botões representavam times e jogadores reais, o material era o plástico, com exceção do goleiro que era sempre uma caixinha de fósforos com algum conteúdo pesado no lugar dos palitos.

Muitos já vinham prontos de fábrica, inclusive com fotos dos atletas reais no centro, e geralmente produzidos pela Estrela, a maior fábrica de brinquedos da época, talvez até de toda a história industrial brasileira.

Eu preferia fabricar meus botões ou comprar velhas lentes de relógio e botões de roupa do tamanho e formato adequado.

Os relojoeiros tinham até uma mini-receita paralela: guardavam numa caixinha as lentes descartadas para vender para a meninada a um preço obviamente irrisório.

Para fabricar botões o procedimento era simples: juntava pedaços de plástico duro numa forminha de empadinha e a aquecia ao fogo, segurando a borda com alicate. Quando amolecia, usava um martelo para homogeneizar. Depois de endurecida a mistura, lixava no chão para igualar o fundo, que era o solado do meu jogador.

A propósito, encontrei uma pequena citação do futebol de botões num ensaio de Roberto Damatta intitulado “Antropologia do óbvio”, publicado em 1994 na Revista USP, que transcrevo:

É interessante observar, como prova desta penetração e deste sucesso, que no Brasil tenha se difundido o chamado “time de botão”, que todo menino obrigatoriamente possui num dado momento de sua infância. Com esses times, cujo dono é tudo (patrão, presidente, técnico, juiz, bandeirinha e craque) fazem-se campeonatos tão emocionantes quanto os que se decidem no campo. Lembro-me de uma tal peleja nos idos de 1950, em São João Nepomuceno, Minas Gerais, com 11 ou 12 anos, ganhei, num jogo nervoso e verdadeiramente clássico, o título do meu fanático amigo e adversário, o Mário Roberto Zagari, hoje distintíssimo professor de Linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi o meu botão especial, o Carlyle, que fez o único gol da partida.

Acrescento que o uso da afirmação “todo menino obrigatoriamente possui” ainda valia para 1994 mas não vale para 2010; o mundo está mudando rapidamente.

FonteMárcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e é jornalista e médico-veterinário. Publica seus textos em dois blogs (http://marcio.avila.blog.uol.com.brhttp://marodrigues17.wordpress.com) e também no Recanto das Letras UOL (http://recantodasletras.uol.com.br/autores/marcioarodrigues).