Na infância, um dos meus divertimentos prediletos era jogar futebol de botão sozinho. Eu mesmo organizava o regulamento do campeonato, as tabelas (turno e returno, análise combinatória aplicada), as escalações e os esquemas táticos de cada time.
Depois de tudo preparado, eu jogava, narrava, torcia, comentava, levantava a taça e fazia volta olímpica. Era, ao mesmo tempo, Ricardo Teixeira (na época, Giulite Coutinho), Dunga (na época, Telê Santana), Galvão Bueno (na época, Luciano do Valle, Fiori Gigliotti, Silvio Luiz), Falcão (na época, Márcio Guedes) e Robinho (na época, Sócrates, Falcão, Zico – e Jorginho, o melhor jogador do Palmeiras nos anos 80).
Na última página da Placar, revista que eu colecionava fanaticamente, havia sempre uns escudos de times estranhos para a gente recortar e colar nos botões. Isso permitia que os meus campeonatos tivessem a participação de equipes como o São Raimundo (do Amazonas) e a seleção das Ilhas Fiji (da Oceania, já então ocupando a última posição no ranking da Fifa, tendo sido goleada por 12 a 0 pela Nova Zelândia, que por sua vez o Brasil goleara por 4 a 0).
Não sei bem o motivo, mas em meu Estrelão todos os campeonatos nacionais eram vencidos pelo Palmeiras; e todas as Copas do Mundo eram vencidas pelo Brasil. Mesmo com resultados tão previsíveis, as partidas eram emocionantes, antológicas, às vezes trágicas. Todos sabemos que Julieta e Romeu morrem no final; todos sabemos que Édipo descobrirá que matou o pai e casou com a mãe; todos sabemos que o Brasil perderá para a Itália por 3 a 2 no Sarrià – mas ainda assim nos emocionamos. Era o que acontecia no meu futebol de botão. Com a diferença de que os finais sempre foram felizes (para mim).
Por isso, gostando ou não do técnico, aprovando ou não a escalação, sabendo que a qualidade dos dirigentes é no mínimo questionável – eu sempre fico triste quando o Brasil perde uma Copa. Parece-me uma ruptura na ordem natural das coisas, no equilíbrio do universo, na justiça transcendental. Se a Copa do Mundo existe, o Brasil deve ganhá-la, pronto e acabou. Assim estava escrito, quarenta mil anos antes do Nada, como dizia o genial Nelson Rodrigues.
Quando a seleção é desclassificada de uma Copa, eu me sinto pessoalmente ultrajado. Aqueles holandeses não teriam a mínima chance no meu Estrelão!