Coluna do Chapéu: Jogo morno, quase frio


O jornalista Marcelo Barreto lançou o livro: Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro. Ele fez um time de camisas 10, que foram Zizinho, Ademir da Guia, Pelé, Ronaldinho Gaúcho, Dirceu Lopes, Rivelino, Zico, Rivaldo, Raí, Neto e Kaká. Não quero aqui discutir se ele está certo ou se deixou algum mestre da camisa 10 de fora. Pensando rapidamente me lembrei de uns 4 que eu colocaria nesta lista.

Mas este assunto me levou a minha infância na deliciosa época de meus jogos de futebol de botão. Nem sei se as pessoas sabem hoje o que seria o futebol de botão. Foi naqueles idos que eu me envolvi definitivamente no mundo de futebol. Ali fui o melhor atacante, o melhor goleiro e o melhor defensor.

Eu era um viciado nestes jogos. Jogava sempre, pelo menos uma vez por dia. Chegava da aula à tarde e fazia todos os meus deveres de casa, para na manhã do outro dia ter mais tempo para jogar meu futebol de botão.

Comecei com os times comprados em lojas e com o passar do tempo passei a jogar com os times feitos de lentes de relógio (vidros). Tinha lentes de relógio de todos tamanhos, desde as pequenas de relógio de mulheres até as maiores que eram dos relógios de bolso.

Claro que meus melhores times eram o Cruzeiro e a Seleção Brasileira. E os meus melhores jogadores eram o camisa 10, no caso Pelé e Dirceu Lopes. Evidente que fiz na época uma exceção e coloquei um grande jogador para o Tostão também. Eu participava de todos os campeonatos do colégio e alguns do Conjunto do IAPI onde morava, ganhei muitos e fiz várias finais perdendo também.

Onde eu morei a época dos jogos de botão era dezembro, por causa das férias e da época de chuva que nos impedia de descer para brincar no parquinho. Quando todos nem pensavam nos botões durante o ano e perdiam os times. Eu guardava meus times e ficava praticando o ano todo.

Comprava durante o ano várias e várias lentes de relógio e ficava testando os melhores, quando começava a temporada dos jogos, ou seja, em Dezembro. Eu ia e vendia as lentes que eu não achava boa, para os meninos que entravam nas competições. Para convencê-los que as lentes eram boas, eu fazia gols de encobertinha usando minhas habilidades. Pensando bem comecei minha carreira no futebol como empresário e diretor de futebol de botão.

Um dia meu melhor amigo chega à minha casa depois do almoço e me chama para comprar lentes de relógio. Iríamos pela Rua Itapecerica, que começa no antigo depósito de presos da lagoinha e vai até o viaduto da rodoviária. Fomos caminhando e parando em todos relojoeiros, onde comprávamos as lentes de relógio. Quando nos demos conta estávamos na Rua dos Caetés em pleno centro. Dois meninos de uns 9 a 10 anos, no centro de BH, de short, camiseta e chinelo.

Veio a idéia, ir onde minha mãe trabalhava e pedir dinheiro para tomarmos ônibus para voltar para casa, pois tínhamos gasto todo dinheiro. Fomos até lá, minha mãe levou o maior susto, me deu um xingo, mas deu o dinheiro. Fomos de ônibus para casa? Claro que não, com o dinheiro tomamos um sorvete para dois, voltamos a pé para casa e compramos mais lentes nas lojinhas pelo caminho.

Era uma época diferente, sem medos e com muito menos violência. Uma época inocente e até bucólica. Uma época onde a classe dos camisas 10 passeava pelos gramados, o futebol era mais arte e menos competição, mais glamour e menos correria e preparo físico. Os jogos eram românticos, os jogadores quase amadores se dedicavam mais, não existia a idéia de poupar jogadores e todo dia era dia de time principal. Sabíamos a escalação dos times de cor e o numero da camisa que usavam.

Fonte: Cruzeiro E C